Crônicas

“One, two, three, four. One, two…”, ou a primeira vez que eu ouvi “Revolver”

Hoje o álbum “Revolver” dos Beatles completa cinquenta anos de lançamento. Hoje deve fazer uns dezoito anos que eu ouvi ele pela primeira vez. Ele sempre vai ter um lugar especial no meu coração porquê foi o primeiro disco dos Beatles que eu comprei. Na verdade, foi o primeiro disco dos Beatles que eu ouvi. Tinha recém saído uma lista no NME dos maiores/melhores discos de todos os tempos. O primeiro lugar da lista era justamente o “Revolver”. Não era “Sgt, Pepper’s”. Não era o “Álbum Branco”. Era o “Revolver”. Na minha curiosidade adolescente fui até a finada CD Company no Beiramar Shopping em Florianópolis e fui direto na letra B da seção de rock. Peguei o CD, não pedi pra ouvir ou abrir o plástico pra eu ver o encarte e fui direto até o caixa, paguei e voltei pra casa, ansiosíssimo. Em casa, fui até meu quarto e pus o CD pra tocar.

“One, two, three, four. One, two…”

Ali, com “Taxman”, o que eu entendia por música e, principalmente, por rock mudou completamente.

Vejam, eu era um adolescente na época e tinha uma cultura musical adolescente até decente para os meus dezesseis anos, especialmente considerando o como era difícil ter acesso à música boa sendo um adolescente associal em Florianópolis nos anos 90. Eu conhecia bem Queen, Led Zeppelin e Deep Purple, gostava muito de Soundgarden e Sonic Youth e tinha todos os CDs do Oasis e assistia muito o Lado B e o Clássicos com o Fábio Massari, mas até ali nunca tinha dado bola para os Beatles. Conhecia os chavões dos primeiros discos, como “Twist and Shout”, e “Let It Be”, que eu considerava um puta som de pai, no sentido ruim da expressão. Apesar de ser fã de Oasis, banda que sempre confessou idolatrar e muitas vezes quase que plagiar o quarteto de Liverpool, eu tinha ouvido muito pouco deles.

Aí veio esse riff opaco e estalado de “Taxman”. As guitarras neste disco são algo a ser estudado. “And Your Bird Can Sing”, muitas vezes esquecida no cânone da banda tem um dos riffs mais gostosos de ouvir da carreira deles. É doce e melancólico ao mesmo tempo. “Dr. Robert”, lembrada muitas vezes pela primeira experiência (involuntária) da banda com LSD, deve ser lembrada especialmente pelo bom gosto de George Harrison com timbres.

Infelizmente eu era novo demais pra entender a genialidade de “Eleanor Rigby”, hoje uma das minhas músicas favoritas da vida. “Yellow Submarine” é um ponto fora da curva, não só do disco, mas também da carreira da banda, é fraquinha. Não me levem a mal. O Ringo é meu beatle favorito e eu adoro “Don’t Pass Me By” do “Álbum Branco”, mas eu pulo esta faixa ainda toda vez que eu a escuto.

Vão se passando as faixas, todas curtas. A cítara maravilhosa de “Love You To”, “She Said She Said” que por muito tempo foi minha música favorita deles, e “For No One”.

Caralho, “For No One”. Gostaria de ter as palavras pra descrever o quão fantástica é essa faixa. Os metais de “Got To Get You Into My Life”. Tudo nesse disco mexeu com as minhas concepções do que era música, do que podia ser feito além do clássico quarteto de baixo, bateria, guitarra e voz. Há tanta variedade de elementos aqui, de gêneros musicais diferentes a se combinar, de instrumentos que podiam ser tocados, de variações tonais além da pentatônica. O Universo era bem mais rico que minha tacanha percepção de roqueiro adolescente via e ouvindo “Revolver” pela primeira vez eu tive um vislumbre de todas as possibilidades musicais que estavam à minha disposição.

Quando eu achava que já havia absorvido tudo, veio “Tomorrow Never Knows”. Na época se tocava muito Chemical Brothers na MTV. Vou citar duas faixas em especial: “Setting Sun” e “Let Forever Be”, ambas com vocais de Noel Gallagher. Meu cérebro adolescente derreteu. Em 1966 os Beatles fizeram em Abbey Road com equipamentos analógicos, metendo a voz do John Lennon na caixa Leslie de um órgão Hammond, invertendo a faixa da bateria e a risada do Paul McCartney, o que os Chemichal Brothers se esforçavam para emular digitalmente em 1998. “Tomorrow Never Knows” abriu as portas pra mim para muita coisa, especialmente para o eletrônico e para o alternativo.

Ouvir este disco foi determinante para minha cultura musical. Foi a linha que me fez passar de um roqueiro padrão que odeia tudo que não tem guitarras a alguém que está sempre procurando novidades, explorando tudo e procurando de tudo, evitando preconceitos. Se é o maior/melhor de todos os tempos os tempos? Não sei. Nunca saberei talvez. Eu sei que eu sou um ser humano melhor porque em 1998 eu li uma matéria e comprei um CD. E eu o ouvi.

Alexandre Aimbiré

Alexandre Aimbiré

Estudante de Letras, guitarrista de fim de semana, DJ ocasional, leitor ávido de Wikipédia e escritor de romances de gaveta. Manézinho de nascimento, criado em Porto Alegre e atualmente mora em São Paulo. Como todo bom crítico, já tocou em várias bandas que não deram em nada.

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