Resenhas

Resenha: Dummy – Free Energy (2024)

O gênero “indie pop” parece ser jogado a esmo por aí. Qualquer coisa que tenha guitarras e soe minimamente amigável aos ouvidos, mas que não é digna de tocar em uma rádio FM, ganha o rótulo impiedosamente. É uma categoria-coringa para tudo que é fofinho demais para ser rock de verdade, ou esquisito demais para ser pop propriamente dito. Aí nesse balaio de gato entram a ex-Elon Musk, Grimes, o The 1975 e, o objeto desta resenha, a Dummy. Com esse rótulo cravado na minha mente, eu comecei a ouvir Free Energy, o segundo álbum da banda. Apenas pelo rótulo, eu teria preguiça, mas o álbum foi recomendado por um amigo ao qual eu respeito e confio em seu gosto musical. Então, dei play tentando me despir de qualquer preconceito.

Formada das cinzas da Wildhoney, uma excelente banda de dream pop de Baltimore, na Costa Leste dos Estados Unidos, a Dummy tomou forma em Los Angeles, na Califórnia, em 2018. Três anos depois, em 2021, lançaram seu primeiro álbum, Mandatory Enjoyment, um álbum dominado pelo teclado da vocalista Emma Maatman, e timbres simples e distorcidos de guitarras.

Este segundo álbum da banda começa estranho, com uma introdução que pode ser ignorada, mas logo entra a potente “Soonish…”. A faixa carrega um aprimoramento do estilo concebido no primeiro álbum, com a presença de teclados e guitarras distorcidas. Porém, há uma evolução clara aqui, logo esta que é a segunda faixa do álbum. As guitarras tem mais textura, mais corpo e um domínio maior sobre a faixa. Há também uma evolução estilística. “Soonish…” é dançante e alegre. A influência do Stereolab é fácilmente reconhecida, especialmente nos momentos em que o som da guitarra não tem distorção. “Unshaped Road” carrega uma das marcas registradas do dream pop, a alternância entre vocais masculinos e femininos. A voz sóbria e constante de Nathan O’Dell contrasta com a voz etérea e majestosa de Emma Maatman. Embora O’Dell seja competente, é nas partes que Maatman canta em que as canções realmente brilham.

O álbum todo tem momentos interessantes, como as quebras antes das estrofes em “Minus World”; o piano que junto com poucas notas do baixo que carregam “Dip in the Lake”; e a guitarra incidental em “Nine Clean Nails”. Há também momentos de franca esquisitice, como a faixa “Opaline Bubbletear”, que com seu saxofone parece algo saído da trilha sonora de um filme dos anos 1980; ou as súbitas flautas na apropriadamente entitulada “Sudden Flutes”. A banda tem um senso de humor musical um tanto peculiar. Um gosto por pequenas estranhezas que não quebram as canções, mas as enriquecem. No geral, o álbum consegue manter uma coesão e uma progressão interessante entre as faixas, como se seguisse uma lógica interna própria. Meio sonhadora, meio matemática.

Free Energy é como ser transportado para um futuro alternativo. Um futuro onde o shoegaze foi a estética dominante dos anos 1990. Lush e Mazzy Star foram as maiores bandas da década. Um futuro aonde Loveless foi um álbum mais influente que o Nevermind. É um álbum de uma banda que não ignora o passado, mas que escolhe a dedo os momentos e as influências que deseja reter em suas texturas sonoras. Ele nos convida à escuta lenta e atenciosa. Talvez seja esse o maior elogio que alguém possa fazer a um álbum hoje em dia: ele merece ser ouvido mais de uma vez.

8.5

Free Energy – Dummy

Gravadora: Trouble In Mind Records

Imagine um mundo onde o Shoegaze foi maior que o Grunge e a Mazzy Star fez mais sucesso que o Nirvana. Este é o mundo de Free Energy.

Alexandre Aimbiré

Alexandre Aimbiré

Estudante de Letras, guitarrista de fim de semana, DJ ocasional, leitor ávido de Wikipédia e escritor de romances de gaveta. Manézinho de nascimento, criado em Porto Alegre e atualmente mora em São Paulo. Como todo bom crítico, já tocou em várias bandas que não deram em nada.

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