Entrevistas

A verdade por trás de John Filme – Entrevistamos Akira Fukai

Depois de alguns meses desativada, resolvemos abrir a sessão de entrevistas com uma das bandas mais interessantes de Santa Catarina, a John Filme. Não recebemos a banda em nossas suntuosas instalações pois, não temos suntuosas instalações e nosso entrevistado mora há mais de 600 km de distância de nosso escritório. Sendo assim, foi tudo feito por e-mail mesmo. Sem mais delongas, Akira Fukai, 50% da banda em uma conversa franca e sem amarras (mesmo porque o rapaz não curte esse tipo de coisas).

Underfloripa – Percebe-se ao contrário de outras bandas que a John Filme não se prende há um gênero específico. Em uma era de rótulos, isso é proposital?

Akira Fukai – Mais ou menos. A banda não soa de um só jeito porque a gente tá consumindo tudo que é tipo de música o tempo todo. Consequentemente, quando tocamos, transpiramos a partir dessas referências e talvez daí saia a característica de cada projeto. Sempre dizemos que em função da banda ter um nome próprio nos permite essa liberdade criativa em torno dessa personalidade complexa. A gente acaba transitando por muitos “gêneros” diferentes, não por premissa, mas pela liberdade que criamos. John Filme é uma pessoa transgênero, nasceu dividida em dois corpos diferentes que se juntam nessa bola de carne que é a banda.

Underfloripa – De “selfie” para “Black Borboloto” a banda entrou ainda mais no experimentalismo. Vocês fazem isso com tamanha naturalidade que assusta. O que falta na sua concepção para o duo fazer musicalmente?

Akira Fukai – Então, acho que essa transição de um EP pro outro tem muito a ver com o que a gente pensa como performance de show também. O Black Borboloto é composto por algumas músicas mais antigas que a gente já vinha tocando há algum tempo e que editamos junto com outras inéditas pra formar o EP.

Nosso objetivo era publicar essas músicas que formavam o show que a gente queria fazer, com as dinâmicas desses 2 álbuns. Muitas vezes editamos coisas que já compomos pra que cada material tenha sua identidade, mas também temos projetos que partem de uma premissa antes da criação. Até agora a maioria dos lançamentos é pra tentar acompanhar o que queremos fazer ao vivo.

Com sorte, agora que estamos produzindo nossas músicas por conta, gravando e mixando em casa, vamos poder inverter esse processo e lançar mais coisas antes de ficar dando spoiler em show.

Ainda vamos lançar um novo álbum, gravado em casa, com o Bile (Fernando) tocando guitarra e eu tocando bateria, que por enquanto se chama “Fohn Jilme”, que é algo que já estamos fazendo nos shows, e outro EP, chamado “Caleb”, que já está quase todo finalizado.

Nós produzimos um filme da banda, dirigido pelo Roberto Panarotto e com ajuda de mais uns amigos na produção, em que atuamos e tocamos versões de músicas nossas, que está em fase de edição. E ainda queremos lançar um disco punk e um split em parceria com a Muñoz até final do ano.

O que falta pra gente fazer musicalmente é viabilizar esses projetos e criar um fluxo de show que nos permita viver fazendo isso e produzindo cada vez mais. Criativamente a John Filme é uma fonte inesgotável.

Underfloripa – Porquê falta sempre à Santa Catarina uma banda que as pessoas conheçam fora daqui? As últimas foram a Pipodélica, Repolho e Ambervisions. Falta o quê para aparecer uma que finque os 2 pés no mainstream?

Akira – Floripa tem praia. Praia. Surf. Reggae. O Armandinho carrega toda a estética “Ilha da Magia” florianopolitenseana Brasil afora. O Repolho, a “colonagem” do oeste. Talvez as pessoas se relacionem com isso porque são representações da terra deles. Fora isso, o que mais é Santa Catarina?

Acho que SC não tem identidade cultural e isso se reflete na música, embora exista um “mainstream underground” também. Nunca vai faltar banda de metal e banda hippie que sonha em tocar no Psicodália. Santa Catarina só tem festival hippie, que a galera vai com os chapeuzinhos de duende tomar doce e rolar na lama pagando “500 conto” no ingresso, e um ou outro festival de metal. Santa Catarina não tem identidade cultural e isso se reflete na música e no público.

Underfloripa – O politicamente correto está estragando a música?

Akira – Não! O politicamente correto só está dando voz à críticas que sempre foram pertinentes. É bom que todo mundo que deseja se expressar esteja atento a isso, finalmente. É importante que a “classe artística” esteja ciente da responsabilidade social do seu papel e que assuma a postura que quiser sabendo das consequências disso.

O politicamente correto não deve ser (e não é) uma censura, mas um reflexo da voz das minorias que sempre estiveram abafadas.

Underfloripa – Chapecó é quase sinônimo da banda Repolho. O quanto eles influenciaram ou não vocês 2?

Akira – Eu sou praticamente da família dos Panarotto, cresci perto desse diabedo. No primeiro disco do Repolho a criança falando “essa é a banda Repolho” na música “Chapecó” sou eu, e as fotos do primeiro CD foram tiradas na casa da família do Fernando (inclusive ele aparece em algumas, atrás do sofá). Fiz meu primeiro show com eles em 2003, com 10 anos, e continuei participando vez ou outra até 2010, quando entrei na banda como baixista.

No projeto Irmãos Panarotto eu participo desde 2012 (eu acho) e o Fernando desde o ano passado. Atualmente estou produzindo um disco de inéditas desse projeto, que o Fernando ajudou a gravar, em casa. Musicalmente talvez não tenha muita influência, embora a gente já tenha feito versões de músicas e participado em alguns show do Repolho, mas acho que a contribuição maior é no espírito DIY colono, de ter iniciativa e buscar uma originalidade dentro da nossa própria proposta. Muito das nossas referências nós devemos a eles também, que sempre buscaram conhecer e divulgar bandas diferentes por aqui.

Underfloripa – As politicas culturais de Santa Catarina são suficientes para a quantidade de artistas do estado? Como funciona aí em Chapecó isso?

Akira – Talvez sejam. Depende de quem são considerados os “artistas do estado”. São poucas as bandas que existem há mais de 5 anos e ainda são relevantes artisticamente, mas sobram “bandas empresa” com as manhas de inscrever projetos e se inserir no circuito do entretenimento, que agrada os donos dos espaços pois ainda têm público, etc.

Pra isso as políticas culturais talvez sirvam. Se definirmos artista como alguém que pensa sobre arte, então não serve. Pra se encaixar nessas políticas tem que ser muito mais empresa do que artista. Tem que injetar dinheiro em publicação na internet, agradar as pessoas “certas”, ter material físico, divulgação em jornal, etc.

Quem não sabe formatar proposta de edital, tocar com pouca força e volume baixo, acaba tendo menos oportunidades. Em Chapecó eu acho que tem a ver com o lance da identidade cultural da outra pergunta. É algo que reflete tanto no público quanto nas bandas.

Luciano Vitor

Luciano Vitor

Formado em direito, frequentador de shows de bandas e artistas independentes, colaborou em diversos veículos: Dynamite, Laboratório Pop, Revista Decibélica, Jornal Notícias do Dia, entre outros. Botafoguense moderado, carioca radicado em Florianópolis há mais de 20 anos.

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