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Coberturas

Perfeição entre as Estrelas: Air no C6 Fest 2025

O duo francês fez um show etéreo, preciso e hipnotizante no coração de São Paulo

Confesso que meu desejo de ir ao C6 Fest foi — principalmente — por causa de duas atrações: o Wilco, que tocaria no fim da tarde de domingo, e a dupla francesa Air, que encerrou o primeiro dia do festival. Conhecida pela precisão cirúrgica com que constrói suas composições, a Air parece operar em uma frequência diferente. A emoção que sua música provoca não vem do improviso nem da catarse, mas da precisão. Cada nota, cada timbre, soa como se tivesse sido pensado meticulosamente para evocar uma sensação específica em quem ouve. Dito isso, minhas expectativas eram altíssimas.

O céu estrelado e o ar fresco de outono sobre o Parque do Ibirapuera formavam o ambiente perfeito para o show. As duas metades da banda, Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, acompanhados do baterista Louis Delorme, entraram no palco sob aplausos intensos. As roupas brancas e o visual minimalista preparavam o público para o que estava por vir. Tudo — exceto a música — era discreto ou, com o perdão da palavra, minimalista, como se o objetivo fosse deixar que a música falasse mais alto que qualquer projeção ou jogo de luzes. E tudo estava impecável.

O som estava perfeito: límpido, balanceado, com espaço para cada instrumento respirar. O baixo de Godin, suave e cremoso como a gente costuma dizer, guiava as músicas com uma leveza sensual, sem nunca perder a firmeza. Apesar de ter sido baixista no passado e acompanhar a banda há mais de vinte anos, nunca havia reparado em Godin como baixista. E ele é um puta baixista, diga-se de passagem. A bateria — como comentei com um amigo que me acompanhava na hora — talvez tivesse a melhor sonoridade que eu já ouvi ao vivo. Louis Delorme, parceiro de longa data da dupla (e baterista de gente de igual ou maior calibre, como Charlotte Gainsbourg), tinha o centro do palco para si, mas nunca tomou o holofote. Jean-Benoît se dividia entre sintetizadores e teclados como se fosse a coisa mais natural do mundo — em vários momentos, tocava dois instrumentos ao mesmo tempo, cada mão em um, enquanto dançava lentamente, absorvido pelo próprio som.

O show seguiu o roteiro de um ritual bem ensaiado. A execução integral de Moon Safari, na primeira parte da apresentação, fez justiça ao disco que lançou a Air ao mundo. Digo mais: as músicas executadas ao vivo destacaram ainda mais a vivacidade orgânica do álbum. Ver as canções cantadas — mesmo com modulação — e sendo tocadas em instrumentos físicos fez da experiência algo muito mais vívido. Desde a primeira levada de baixo em “La femme d’argent”, o público estava imerso na música. “Sexy Boy” e “Kelly Watch the Stars” causaram os momentos de maior euforia, mas destaco também as introspectivas “Remember” e “New Star in the Sky”.

Tirando uma meia dúzia de maconheiros mal-educados, todos estavam rendidos. Um silêncio solene dominava o ambiente, quebrado apenas por palmas e pelo ocasional “thank you”, dito por Godin com um sotaque francês carregado. Ele foi o único da banda a se dirigir diretamente ao público, demonstrando simpatia e gratidão pela recepção calorosa.

Após completar o álbum, houve uma breve pausa, e o trio voltou ao palco para tocar faixas do Talkie Walkie e outras composições. “Cherry Blossom Girl” e “Highschool Lover” (trilha do filme As Virgens Suicidas) encantaram, mas foi com “Don’t Be Light”, o encerramento do show, que finalmente houve a catarse. A música inteira pulsava estroboscopicamente, como se som e luz fossem uma onda só, vibrando em uma mesma frequência — e a plateia junto, dançando freneticamente após passar o show inteiro em transe.

Após as últimas palmas se dissiparem e as luzes do palco se apagarem, restava o silêncio e um sorriso enorme no meu rosto. Meus pés, plantados firmes dentro do meu Adidas Superstar branco e sujo, estavam ali no gramado do parque, mas por um momento eu havia transcendido. Entre a simplicidade e a perfeição do que tinha acabado de ouvir, ora de olhos abertos, ora de olhos fechados. Uma simplicidade que emociona sem pedir permissão. Naquele momento, com o céu se fechando no meio da noite paulistana, a música da Air confirmou tudo o que eu já sabia — mas dessa vez, no corpo.

Alexandre Aimbiré

Alexandre Aimbiré

Estudante de Letras, guitarrista de fim de semana, DJ ocasional, leitor ávido de Wikipédia e escritor de romances de gaveta. Manézinho de nascimento, criado em Porto Alegre e atualmente mora em São Paulo. Como todo bom crítico, já tocou em várias bandas que não deram em nada.

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