Ben Harper + Donavon Frankenreiter em São José: 2 shows e uma multidão de costas para o palco
Por Rodrigo Cauduro – rcredator@gmail.com
A noite de 18 de abril de 2025, feriado de Sexta-feira Santa, foi marcada por dois shows internacionais em Santa Catarina, no mesmo local. Para os artistas — e até para os cartazes — o endereço era “Florianópolis”. Para muitos, era Palhoça, já que fica quase na divisa. Mas a localização exata é São José, na Arena Opus — que um dia já foi Hard Rock Live Florianópolis e, antes disso, Arena Petry.
Diferente de outros eventos, esse começou cedo: às 18h. A abertura ficou por conta da banda Reis do Nada, uma mistura de rap, R&B, MPB e mais uma porção de estilos. Mas esses eu não assisti. Às 19h30, pontualmente, o californiano Donavon Frankenreiter deu o primeiro acorde. Seu visual meio Urtigão, meio hippie, combina perfeitamente com seu som: calmo, com uma vibe preguiçosa de fim de tarde na praia, mas recheado de groove e surf music — influência direta de seus tempos como surfista profissional.
Acompanhado de um baterista e um baixista que também toca gaita, muito bem, por sinal, embalaram o público — que nem lotava a casa, mas curtia. Estava tudo indo bem… até ali pela sexta música. Foi ali que o problema da noite começou.
Eu, na pista, ao lado do pessoal da técnica, estava bem posicionado. Espaço de sobra, som bom, tudo certo. Até que começou um zum-zum-zum. Olhei para a entrada, pros lados… nada demais. Mas o barulho crescia, e com ele minha irritação. Quando me dei conta, o burburinho era generalizado. As pessoas simplesmente não estavam ali pelo show.
Conversas paralelas, gargalhadas, selfies, dedos deslizando no Instagram, gente digitando, viradas de costas para o palco. Donavon, lá na frente, tocava todos os seus hits — Free, It Don’t Matter, Move By Yourself, What’cha Know About… mas confesso que nem lembro da ordem. Eu já estava mais focado em sair dali do que em curtir o que, até então, parecia ser um bom show.
Vinte minutos depois, às 20h45, Ben Harper sobe ao palco. E começa, literalmente, com um hino. Um canto gospel que me transportou direto para uma igreja protestante americana — e digo isso como elogio. Era um prenúncio do que viria a seguir. E eu deveria ter rezado pedindo aos céus.
Vi Ben ao vivo pela primeira vez em 2007, em Florianópolis. Ele era mais jovem, elétrico, incendiário — tocando para mais de 12 mil pessoas. Em 2025, ainda muito relevante, mas visivelmente mais sereno, Harper apresenta um show mais contemplativo, cheio de trocas de guitarras, violões e aquele vai-e-volta do palco que o público acompanha em silêncio… ou deveria.
Dessa vez, me posicionei mais ao fundo, entre a área técnica e uma tenda de camisetas — aliás, uma única estampa da turnê, mais cara que o ingresso: R$ 180. Encostado em um pilar com boa visão do palco, jurei que ali o público seria outro. Ingenuidade minha.
Mesmo cenário: risadas, conversas sem fim, gente de costas pro palco, celular em punho, cheiro de pipoca amanteigada e leves reboladinhas de milfs entusiasmadas, com gritinhos e mãos erguidas para o Ben, não para o bem. Ele, carismático como sempre, entregava tudo. O público, nem tanto.
Eu, já muito puto e já no clima das músicas gospel, fiz uma promessa silenciosa: esperaria “Excuse Me Mr.”. Como um bom homem de pouca fé, me dei por satisfeito com “With My Own Two Hands” e fui embora. Sim, vazei e perdi o final do show — mais tarde soube que Ben chamou uma cantora local da plateia para cantar “Boa Sorte / Good Luck”, no lugar da Vanessa da Mata. Àquela altura, eu já estava a caminho de casa, provavelmente já devorando um dogão por volta das 23h.
O que ficou da noite? Dois grandes músicos, com bandas excelentes, tocando músicas que vão sobreviver por muitos anos. Uma arena com ótima estrutura — som, palco, estacionamento, tudo no lugar. Mas um público que… não estava lá pra ouvir música.
E essa é a parte triste. Porque quem vai ao show pela música, pelo artista, pela arte, é completamente diferente de quem vai pela “experiência” e pelo status de poder dizer que foi. TNC dessas pessoas!
Créditos da foto: https://www.instagram.com/dudunafesta