Glitter, Guitarras e Grandiosidade: The Last Dinner Party no C6 Fest 2025
A The Last Dinner Party brilhou no C6 Fest 2025 com um show teatral — enquanto a imprensa tradicional ainda tenta descobrir quem elas são.
No que parece ser uma tentativa desesperada de conquistar a atenção de leitores mais jovens, a mídia tradicional apressadamente encheu as inglesas da The Last Dinner Party de adjetivos.
“Sáficas!” “Surpreendentes!” “Sensacionais!” “Setentistas!” “Sagradas!”
Ao jornal inglês The Guardian, a vocalista Abigail Morris criticou o tratamento dado à banda pela imprensa, como se fossem “as primeiras mulheres a terem pegado em guitarras”, apagando “as influências e histórias individuais” das integrantes. Quase um ano depois dessa conversa — às vésperas da estreia da banda em Glastonbury —, a imprensa brasileira ainda insiste em reduzi-las a um grupo de zoomers LGBTQ+ que conheceu Bowie e Queen pelo TikTok.
Além das comparações preguiçosas com bandas masculinas, a cobertura ignora toda uma linhagem de mulheres e artistas queer que já empunharam guitarras e microfones muito antes delas. Nomes como Karen Carpenter, Stevie Nicks, a incrível baixista Meshell Ndegeocello (que, inclusive, também tocou no C6 Fest), ou potências nacionais como Liniker e Ana Frango Elétrico — e tantas outras — são ignoradas. Fica a impressão de que certos “formadores de opinião” (ahem) querem desesperadamente transformar o grupo em uma bandeira colorida pra ser posta à venda antes mesmo de entender a música — ou deixá-la falar por si.
Dito isso, a apresentação da The Last Dinner Party no C6 Fest, neste domingo (25), foi tudo que eu esperava — e um pouco mais.
Para os desavisados, poderia parecer que a pequena multidão aglomerada perto do palco estava aguardando o Wilco. Mas bastava uma olhada mais atenta para notar que o público era outro. Eram jovens com glitter no rosto, cantando letras inteiras com os olhos fechados enquanto seguravam folhas de papel A4 com a letra de “On Your Side”. Era claro que estavam ali por elas.
A banda subiu ao palco ao som de “Prelude to Ecstasy”, instrumental que abre o disco de estreia de mesmo nome, lançado no ano passado. Assim que se posicionaram, emendaram “Burn Alive” e “Caesar on a TV Screen”, repetindo o setlist que vêm apresentando em festivais europeus. Mas ao vivo, tudo ganha outra dimensão. O peso que falta em “Burn Alive” na gravação aparece logo nas primeiras batidas. A bateria soa mais pungente, as guitarras mais afiadas, e as harmonias vocais reverberam sob a tenda. O refrão de “My Lady of Mercy” foi de um peso incrível — assim como o cover de “Call Me”, da Blondie.
Abigail é uma frontwoman carismática, que equilibra teatralidade e presença de palco sem ser caricata. Há algo de genuíno e irônico na maneira como ela performa, como se zombasse da própria estética teatral que tornou a banda famosa e, ao mesmo tempo, se entregasse a ela completamente. As demais integrantes não ficam atrás: Georgia Davies (baixo), Emily Roberts (guitarra), L. Mayland (guitarra e teclados) e Aurora Nishevci (teclados e backing vocals) formam uma banda coesa, segura de si, que não precisa de comparações nem adjetivos tolos para se afirmar. Mais do que isso: era evidente que elas estavam se divertindo no palco tanto quanto o público que berrava a letra de “Sinner” a plenos pulmões.
Se os figurinos barrocos e as letras que abordam dilemas femininos ajudaram a construir um universo, é com a música que esse universo realmente se sustenta. O je ne sais quoi que forma a identidade da banda — essa mistura de art rock com pop grandioso e musical de vanguarda — pode soar tão pretensioso quanto usar uma expressão em francês num texto, mas ao vivo funciona surpreendentemente bem. Talvez, justamente, por ser tudo um tanto exagerado.
O show terminou com “Nothing Matters”, o primeiro single da banda. O público pulou, gritou, cantou junto. E quem estava lá esperando o Wilco, provavelmente saiu de lá com uma nova banda pra ouvir quando chegasse em casa.