Quanto mais quente melhor: Clap Your Hands Say Yeah no Cine Joia
Vinte anos depois, Alec Ounsworth revisita o disco de estreia do Clap Your Hands Say Yeah em show caloroso na noite fria de São Paulo
A noite começou fria em São Paulo, com termômetros marcando cerca de 10 °C, mas o clima no Cine Joia foi esquentando aos poucos. Na fila, cigarros eram fumados enquanto se compartilhava um sentimento de nostalgia iminente. “Foi a banda da minha adolescência”, disse uma moça que conversava comigo segurando uma latinha de Red Bull em uma mão e um cigarro na outra logo após me pedir o isqueiro emprestado. O público do lado de fora era exatamente dentro do esperado. Um homem com um boné do lendário Cavern Club era o primeiro da fila e rapidamente se posicionou na beira do palco, logo abaixo do microfone e ali ficou até o final do show.
Com um pouco de atraso, a banda de abertura, o duo mineiro Paira, fez um show extremamente competente — e seguro — em sua primeira apresentação abrindo para uma banda internacional. A casa ainda estava praticamente vazia, mas quem chegou cedo viu uma performance coesa, entregue e bem construída. Trocaram poucas palavras com o público, mas a nova aposta do selo Balaclava Records anunciou que logo lançariam um álbum completo e encheu a casa com sua mistura peculiar de shoegaze, emo e batidas eletrônicas.
Não demorou muito para Alec Ounsworth subir ao palco acompanhado de três musicos completando a formação. O Cine Joia já estava repleto nessa hora. Não exatamente lotado, mas cheio o bastante para manter a energia alta — e isso foi o que mais pareceu importar. O show começou devagar com “Some Loud Thunder” e Alex sem guitarra segurando o pedestal do microfone. Então, no meio da música ele se virou de costas, pegou a guitarra e o show começou de verdade. Em determinado momento, alguém da plateia comentou sobre o frio, e Alec, entre risos, respondeu com um irônico “obrigado por avisar”, prometendo esquentar o ambiente.
E, de fato, esquentou.
O show marcou a passagem da turnê comemorativa de 20 anos do primeiro álbum do Clap Your Hands Say Yeah, lançado em 2005. Como era de se esperar, o setlist trouxe o disco na íntegra, sem surpresas, e as mesmas músicas que eles vem tocando ao longo da turnê, como “Said Satan Dance” e “Ketamine and Ecstasy”, uma música que Alec disse ser sobre seu período universitário. Mesmo sem desvios ou faixas inéditas, a performance foi intensa. O clima era de nostalgia, mas sem pose — fãs cantavam e dançavam com olhos fixos em Alec, que manteve o show fluindo de maneira espontânea. Os momentos de picos mais altos de energia e baixos de contemplação estavam dentro do previsto, como “Heavy Metal” e “The Skin of My Yellow Country Teeth” nos altos, e “Sunshine and Clouds/Details of the War” nos baixos.
Houve espaço para momentos descontraídos. Depois do fim da execução completa do álbum, a banda tirou um intervalo e ele ficou sozinho no palco para cantar “You Can’t Put Your Arms Around a Memory”, cover de Johnny Thunders. Ele esqueceu a letra, se envergonhou, riu, comentou com o público que compartilhou o sentimento e riu junto, e seguiu em frente, cantando alguns versos em meio no improviso, num inglês popularmente conhecido como embromation e que arrancou aplausos sinceros de todos. Tentaram ensinar palavras novas em português pra ele, mas ele saiu feliz por ter aprendido “bate palma” e acrescentado isso ao seu vocabulário que antes estava limitado a “obrigado”.
Sendo o próprio rosto da Clap Your Hands Say Yeah, Alec criou uma espécie de conversa musical com o público. Falou, ouviu de volta, riu, se confundiu, se recompôs. Numa turnê comemorativa, é comum cair na repetição, mas não foi o caso aqui. Foi um show que relembrou o passado sem parecer preso a ele — mais como uma carta de gratidão do que como uma cápsula do tempo.