Angra e Edu Falaschi: “Temple of Shadows” ou Temple of Ego?

Florianópolis vai viver um fenômeno raro: dois shows do mesmo disco, no mesmo palco, com uma semana de intervalo.

No dia 19 de junho, o Angra desembarca no John Bull para celebrar os 20 anos de Temple of Shadows. Não é exatamente o disco mais querido da banda, mas teve boa recepção da crítica especializada e dos fãs — que, depois de anos se queixando que Edu Falaschi não era o André Matos, começaram a aceitá-lo como o novo frontman.

Coincidentemente (ou não), sete dias depois, no mesmo lugar, quem sobe ao palco é o próprio Falaschi, ex-vocalista do Angra, com sua própria turnê de 20 anos do… Temple of Shadows.

Dizem os chineses que coincidências não existem. Mas, coincidência ou não, a situação é tão específica que seria cômica, se não fosse tragicômica.

O que poderia ser uma celebração conjunta virou uma batalha de narrativas. De um lado, o Angra (sem Edu) tenta mostrar que o legado é maior que um vocalista. Do outro, Edu (sem o Angra) tenta provar que ele é a alma por trás do disco. No fim, o público que lute pra escolher de quem é o “Temple” definitivo — ou, por que não, pagar duas vezes pelo mesmo culto.

Falando francamente, eu detesto heavy metal melódico e esse rolê de cantar sobre elfos, gnomos e cavaleiros resgatando princesas de bruxos malvados como se a banda fosse um grupo de RPG. Porém, serei justo: Temple of Shadows é um disco legal. Um álbum conceito ambicioso, com um storytelling bacana, produção caprichada e um Angra que parecia, enfim, ter se desvencilhado da sombra de André Matos e vivido uma ilusão em que tudo era possível.

Mas hoje o disco carrega mais do que nostalgia: virou um campo de batalha emocional. Cada lado tenta provar quem tem mais direito à herança. O álbum que juntos essa nova fase e formação, Rebirth de 2001, ainda tinha muito do Angra antigo. Temple foi um marco para a banda. Um verdadeiro recomeço.

A saída de Edu do Angra não foi nada amigável, e desde então os dois lados vivem um eterno cabo de guerra simbólico. Mas aqui em Floripa, a disputa ficou concreta. Física. Quase cênica: palco, setlist e flyer quase iguais — só muda quem canta.

É importante lembrar também que, na época da gravação de Temple, a formação da banda já havia mudado. Restavam apenas os guitarristas Rafael Bittencourt e Kiko Loureiro da formação original. Hoje, só Rafael segue na banda. Ele e Felipe Andreoli, baixista que também entrou na época do Rebirth junto com Edu, seguem sendo os únicos membros remanescentes que estavam na banda na época da produção do disco.

Teoricamente, os fãs ganham duas chances de ouvir as mesmas músicas ao vivo. Os músicos garantem suas bilheteiras. O John Bull poderia ganhar dois shows esgotados com um esforço de marketing só.

Mas há público pra isso?

Os fãs vão duas vezes assistir o que parece ser o mesmo show? Temple é tão legal assim? Vale mesmo ser tocado na íntegra — duas vezes? São perguntas para as quais eu não tenho resposta, mas que serão respondidas em breve.

E o que isso diz sobre o rock e o metal brasileiros em 2025? Talvez que a gente esteja preso demais ao passado. A indústria vive de reciclagem e shows comemorativos estão na moda, assim como a nostalgia. Para mim, parece às vezes que esses shows viraram um memorial musical, e não um movimento ou tendência. Ou talvez eu esteja enganado e há quem diga que Temple of Shadows é bom demais pra ser tocado uma vez só — mesmo que o ego de cada lado pese mais que um lineup completo do Wacken.

Se você vai a um ou aos dois, não importa. Só saiba que estará pagando ingresso pra assistir a um dramalhão entre egos por um término mal resolvido. Tal qual um episódio da novelinha Malhação.