Underfloripa entrevista: Punho de Mahin!
Com um caminho começado lá atrás, a banda formada em 2018, para dar voz a um quarteto oriundo das comunidades periféricas de São Paulo.
Formada por Natalia Matos (vocal), Camila Araujo (guitarra e voz), Du Costa (baixo e vocal) e Paulo Tertuliano (bateria), o grupo busca a amplitude negra nos meios de comunicação e alcançar cada vez mais a grande massa para difundirem a sua luta contra: a desigualdade social, racismo, violência contra as comunidades periféricas e resgatar a origem do punk, que nasceu PRETO!
O nome da banda é uma homenagem a Luisa Mahin, mulher, negra e combatente que foi líder da Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835.
Em conversa presencial e depois via WhatsApp, o Underfloripa conversou com o grupo sobre diversos assuntos, e por mais espinhosos que fossem, não ficou pedra sobre pedra!
Underfloripa – O ano de 2025 tem sido um ano intenso para banda. Shows, festivais (já com show agendado no The Town), assinatura com a Deck (gravadora), sendo considerados como uma das bandas mais promissoras da cena underground. Como tem sido lidar com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo?
Punho de Mahin – O ano de 2025 tem sido um turbilhão de emoções e desafios. A quantidade de shows, festivais (como a participação confirmada no The Town), a assinatura com a Deck e o reconhecimento são experiências que testam nossa resistência diariamente, mas também nos enchem de alegria e energia. Apesar da loucura, estamos vivendo cada momento com entusiasmo — é surreal ver tudo se concretizar depois de tanto trabalho. A trajetória da Punho, que começou em 2018, é construída sobre uma base sólida de experiências anteriores. Cada integrante carrega um histórico musical que nos preparou para este momento. O Du, por exemplo, iniciou sua jornada entre 1995 e 2017 com a BCAP, uma das primeiras bandas de rapcore do Brasil. Paulo atuou nas bandas Pele i Osso (2014–2022) e Vozes Incômodas (2018–2022), além de ser um dos articuladores do selo e da produtora Crise Produções.
Camila trouxe sua bagagem do Bandido da Luz Vermelha (2012–2020), enquanto a Natália consolidou sua presença na cena com os Condenados (2008–2018).
Todos nós já estávamos imersos no universo punk, seja através de projetos musicais, articulações políticas ou produções independentes, mas nada se compara ao que a Punho está vivendo agora. Essas experiências passadas nos deram maturidade para lidar com a complexidade desse momento. Sabemos que o underground exige um trabalho triplicado, e é justamente isso que nos move.
Underfloripa – O que é ser punk em 2025 morando na São Paulo?
Punho de Mahin – É contradição constante. É respirar o caos de uma metrópole que cospe fumaça de concreto e capitalismo acelerado, enquanto você tenta plantar um jardim de resistência nos escombros.
É enfrentar a gentrificação que expulsa comunidades inteiras do Centro, a violência policial que mira corpos periféricos, é o silêncio cúmplice de quem acha que “protestar é coisa do passado”. Underfloripa – A banda traz uma temática muito importante, que é luta contra o racismo e preconceito. Hoje o movimento de bandas antirracista vem crescendo.Porque essa temática não era tão comum na cena metal e punk/hardcore no passado há uns 15/20 anos?
A luta contra o racismo deveria estar na essência do punk, essa temática não ocupava o mesmo espaço que hoje.
Naquela época, o movimento punk já discutia pautas políticas, ambientais e sociais, porém sob uma perspectiva majoritariamente branca e eurocêntrica. Havia um mito enraizado de “democracia racial” — a falsa ideia de que não existia racismo no Brasil —, o que invisibilizava lutas específicas da população negra. Além disso, movimentos antirracistas eram marginalizados até mesmo dentro da cena alternativa, que reproduzia estruturas excludentes da sociedade.
O punk dos anos 80/90, por exemplo, questionava o Estado e o autoritarismo, mas poucas bandas traziam o racismo estrutural para o centro do debate. Isso não significava que o problema não existia, mas sim que as vozes negras eram silenciadas ou minimizadas. O mesmo ocorria com a falsa “igualdade de gênero”, que mascarava a violência dos homens para com as mulheres. O Movimento Negro, por décadas, desconstruiu essas narrativas e pressionou por representatividade.
Hoje, com o fortalecimento de coletivos periféricos, a ascensão de artistas negros na cena e a conscientização sobre interseccionalidade, esses debates finalmente ganharam força.
Para nós, da Punho, é urgente ocupar esse espaço. Não se trata apenas de “falar sobre racismo”, mas de existir como corpos negros em um cenário que historicamente nos excluiu. A música é nossa ferramenta para romper com o apagamento e lembrar que o punk, antes de tudo, é rebeldia contra todas as formas de opressão e lembrar que o PUNK NASCEU PRETO!
Underfloripa – A banda tem muito engajamento político e social (recentemente vocês estiveram divulgando e denunciando abusos na favela do Moinho). O quanto esse engajamento político se reflete nas composições da banda? Uma atitude militante e de enfrentamento a extrema-direita cria um receio de que portas possam se fechar para a banda?
Punho de Mahin – Nosso engajamento político e social não se limita a discursos: é prática cotidiana. A Favela do Moinho, por exemplo, não foi apenas um tema de divulgação. Pessoas próximas à banda estiveram na linha de frente da resistência do território, enfrentando as violações do Estado. A mesma coisa acontece com os Guarani no Jaraguá e assim por diante. Participamos decoletivos, ocupações e redes de apoio sempre que possível — e essa postura se reflete diretamente nas nossas letras. Não há como separar a música da militância: nossas composições são gritos de denúncia, mas também de solidariedade e organização.
Quanto ao “receio de portas se fecharem” antes de sermos militantes anticapitalistas e antifascistas: somos pessoas pretas. As portas já estão fechadas há séculos. O racismo estrutural nos nega acesso a espaços de poder, seja na indústria musical, em corporações ou até em relações pessoais. Não é sobre “medo”, mas sobre resistência. Arrombamos portas não por ambição, mas para provar que existimos e que nossa arte é política por natureza. Se alguma porta se fecha por causa do nosso posicionamento, ela nunca esteve aberta de verdade.
Aliás, a extrema-direita não é nosso único alvo. Tentamos um combate em diversas esferas o sistema: o mesmo que destrói o Moinho, que criminaliza a pobreza e que normaliza a violência contra corpos negros. A música é nossa trincheira, e não negociamos nossa voz para caber em espaços que exigem neutralidade diante da opressão.
Underfloripa – Quais novos artistas vocês têm escutado?
Punho de Mahin – Vou tentar listar algumas bandas aqui e me desculpem se esqueci de alguém:
Anversa, Mosca Negra, Deserdados, Discurso de Pobre, Agravo, Fuzzuês, Crexpo, Rebeldia Incontida, Asfixia Social, Sem Restrição, Repressão Social, Devotos, Inocentes, Valla, Maafa Hardcore.
Underfloripa – Mesmo com um monte de coisas acontecendo para vocês, se sabe das dificuldades da cena underground. Vocês já conseguem se sustentar com as atividades da banda (shows, merchan)?
Punho de Mahin – A realidade da cena underground é dura, e não há romantização que mude isso. Sobreviver apenas da banda ainda é uma ilusão. A venda de camisetas e ingressos cobre custos básicos, como transporte e ensaios, mas está longe de garantir sustento digno. Por isso, seguimos dependendo de empregos formais — o “registro em carteira” não é só uma burocracia, mas uma necessidade para comer, pagar aluguel e manter a autonomia artística sem cair na precariedade.
Essa contradição é sintomática: enquanto o sistema exige que artistas periféricos “virem empreendedores”, ele nega acesso a direitos básicos. Nossa resistência está em não abandonar a música, mesmo sabendo que o underground, hoje, é mais um espaço de luta do que de lucro. E, sim, isso cansa. Mas também nos lembra que nossa arte não se rende à lógica capitalista — mesmo que ela insista em nos trancar do lado de fora.
Underfloripa – E o segundo álbum, o que podemos esperar? Já tem material pronto e previsão de lançamento? Alguma agenda de shows no sul e no nordeste do Brasil?
Punho de Mahin – Já temos músicas novas em processo de finalização, e a previsão é que o lançamento oficial aconteça ainda este ano, com o apoio estratégico da DECK. Estamos ansiosos para compartilhar esse material, que traz uma evolução sonora sem perder a essência contestadora que marca a Punho. Quanto aos shows, o Nordeste e o Sul do Brasil estão no topo da nossa lista de desejos. Apesar de ainda não termos recebido convites concretos para essas regiões, estamos de olho em festivais, coletivos e espaços independentes que queiram se juntar a nós nessa jornada. Quem sabe não rola um chamado por aqui?