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Resenha: Luedji Luna – Um Mar Pra Cada Um (2025)

“Me diz quem eu sou nessa festa” (Harém)

O jazz é um gênero musical que eu sempre ouço nos lugares e gosto, mas que nunca paro para escutar por conta própria. Não sei bem o motivo, talvez seja comodismo musical com determinados gêneros que fazem parte da minha rotina. 

Em Um Mar Pra Cada Um, de Luedji Luna, a primeira faixa já esfregou na minha cara uma abertura toda em jazz. Sem voz. Só as batidas trazendo em mim a sensação de estar sozinha no meio do mar. Para ser mais específica: me imaginei em cima de uma plataforma boiando no meio do oceano, jantando a comida de um restaurante que gosto muito e que só toca jazz (sim, minha cabeça funciona desse jeito e se retroalimenta de memórias, principalmente sonoras e olfativas, que vou guardando pelo caminho e se conectam). 

E eu acho que nessa gênese (o nome da faixa é Gênesis), a Luedji propõe mesmo criar um mar só seu, numa introspecção enquanto ouve o trabalho dela. Só que aí você está no seu mar particular, comendo seu filé apimentado, quando Karma começa a tocar e uma voz estrondosamente forte invade tudo e te traz de volta. Tem sonoridade, presença e calor, e, se eu puder ser metafórica de novo, puxa as ondas para a praia. 

O álbum passeia pelos ritmos do MPB, R&B, jazz e música afro-baiana, e cada faixa tem uma participação, seja de cantores, seja de músicos instrumentais. Há músicas mais introspectivas e outras quentes e dançantes, que evocam sensações como o calor humano e o suor em uma pista de dança. Não conheço ainda outros trabalhos da Luedji — este foi o primeiro —, mas neste álbum ela aborda o amor e as relações, o compromisso afetivo e a falta dele, também. Isso me fez pensar que, enquanto estamos no nosso oceano, Luedji também nos convida a conhecer as ondas dela, sua introspecção e seu íntimo, enquanto revisitamos nossas próprias experiências enquanto mulher na sociedade e nos relacionamentos. 

Tudo isso tem uma forte voz feminista que também questiona por meio das letras diretas e confessionais. Um exemplo disso é a faixa 4hz, que expõe as dores e angústias do amor, principalmente do ponto de vista de mulheres que enfrentam múltiplas opressões, por sua raça, gênero ou corpo. Baby Te Amo, a última faixa do disco, também traz poema e confissão num fundo instrumental que transmite a energia da profundeza do oceano, e casa muito com a ideia de já estar completamente imerso na energia do álbum, ambientado no conjunto de instrumentos, letras e entranhas pessoais da cantora (seria Luedji uma sereia?). 

Apesar disso, esse último poema não é de Luedji, nem é narrado por ela, mas sim de autoria da historiadora, professora, roteirista e poeta Beatriz Nascimento (1942 – 1995), um expoente na defesa e legitimação da identidade e protagonismo negro, e no ativismo dos direitos humanos de negros e mulheres. A narração também é dela, póstuma e feita por meio de recursos de IA. O texto é visceral e dialoga diretamente com o íntimo, como por exemplo no trecho: “Como sangue novo refletindo na imagem do rosto no espelho/ Sem rugas, nem marcas/ Só aquelas dos vários mergulhos no desconhecido/ Conhecido do fundo de mim/ Do interior da memória”. O poema amarra toda a identidade desse álbum que conversa muito com o interior e a profundidade dos sentimentos, o amor em estado bruto e metaforizado pela água — que também é intensa e complexa, assim como é o elemento que mais compõe o corpo humano —, o que achei um ótimo norte para representar um álbum tão denso e pessoal. 

Se pudesse resumir essas onze músicas em um trecho, eu escolheria: “Me diz quem eu sou nessa festa”, uma pergunta direta tanto sobre o olhar do outro sobre si, quanto o olhar da autorreflexão, o que achei muito bonito. 

Nas palavras de Luedji, é o seu disco mais honesto. E vale muito a pena se deixar atravessar por essa honestidade. 

8.5

Um Mar Pra Cada Um – Luedji Luna

Gravadora: Luedji Luna

Se pudesse resumir essas onze músicas em um trecho, eu escolheria: “Me diz quem eu sou nessa festa”, uma pergunta direta tanto sobre o olhar do outro sobre si, quanto o olhar da autorreflexão, o que achei muito bonito.  Nas palavras de Luedji, é o seu disco mais honesto. E vale muito a pena se deixar atravessar por essa honestidade.

Tati Barreto

Tati Barreto

Nascida e crescida em São Paulo e pertencente à área de humanas desde que se entende por gente. Estudante de Letras, atriz quando possível, escritora de fanfics e uma grande entusiasta de música, artes, comédias românticas, livros de suspense e animes, entre outras paixões. “A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia.” (Ludwig van Beethoven)

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