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Resenha: Beirut – A Study of Losses (2025)

“Quando eu estiver longe
O que haverá?”
(Forest Encyclopedia)

Sempre quis escrever sobre o Beirut. Meu primeiro contato foi aos dezesseis anos, quando a bomba Elephant Gun explodiu como trilha de Bentinho e Capitolina na minissérie Capitu (2008) e me encantou desde os primeiros segundos.

Beirut foi uma das bandas que definiram meu gosto musical. O forte do grupo — e o que mais me fisgou em E.G — era o instrumental. Eu colocava os fones e era como ser conduzida por uma orquestra íntima, cada nota tocando um lugar diferente da alma. 

Ao mesmo tempo, a voz que pouco aparecia era de uma preciosidade tamanha que parecia quase um crime ela “pincelar” as faixas, entregando o protagonismo aos instrumentos. 

Nessa época tive a certeza de que melodias e certos timbres vocais sempre definiram o quanto eu me envolvia com uma música. Tudo bem, a letra também é muito importante, mas se ela fosse autossuficiente, seria só poema. 

É com essa intro que apresento A Study of Losses, o sétimo álbum do Beirut, uma orquestra formada por diversos músicos e fundada por Zach Condon, o vocalista, compositor e multi-instrumentista. O gênero folk da banda é resultado de uma série de estudos sobre a música de outras culturas, mas tem raízes principalmente na Europa Oriental. 

Antes de tudo, é preciso saber: esse álbum — que Zach descreve como “de longe o maior que já fez” — nasceu de uma colaboração com o circo sueco Kompani Giraff, que criou um projeto inspirado no livro de Judith Schalansky:  Inventário de Algumas Perdas (original Verzeichnis einiger Verluste) e convidou o compositor para fornecer a peça musical do espetáculo. O resultado disso foi um disco de dezoito faixas e de uma riqueza sonora e poética fascinante. 

Zach simplesmente tinha um prato cheio de referências, desde a música renascentista aos corais — e o álbum 69 Love Songs, de The Magnetic Fields —, mas também viu sensibilidade e autenticidade nas performances circenses, aliadas à profundidade ímpar dos temas de Schalansky, que tratam da efemeridade das coisas — das mais abstratas até o que é vivo — sob a ação do tempo. Fuçando o projeto do Kompani Giraff, li que o espetáculo é centralizado em diferentes objetos cotidianos já obsoletos no uso social e os ressignifica enquanto memórias e sonhos em uma ambientação lúdica com quatro acrobatas. 

O resultado de tudo isso foi uma peça com faixas adequadas ao tempo dos números do espetáculo, algumas delas nomeadas por capítulos do livro e divididas entre dois tipos de composição: letra com melodia e instrumental. 

Novamente a indecisão me tomou ao refletir sobre quais faixas destacar aqui, mas apesar do álbum inteiro me arrancar arrepios de satisfação, é preciso falar dos Mares Lunares

O músico se inspirou nas crateras da Lua (resultado de erosões que ficaram mais escuras e se assemelham a oceanos impressos no satélite, como num mapa múndi) para nomear sete das dezoito músicas. São elas: Oceanus Procellarum, Mare Crisium, Mare Imbrium, Mare Serenitatis, Mare Humorum, Mare Nectaris e Mare Tranquillitatis. Todas são majoritariamente instrumentais, com exceção da última, que encerra o álbum. 

Os títulos são poéticos, e as faixas inspiradas numa história do capítulo “Os Selenógrafos de Kinau”, sobre um homem que ansiava catalogar todas as perdas da humanidade, tanto físicas quanto abstratas e guardá-las na Lua, mas no fim se deu conta do tempo perdido durante essa obsessão. E isso é de uma beleza sem igual, talvez porque seja profundamente poético, mas talvez também por provocar algum lugar dentro de nós que confirma: dificilmente vivemos o presente, o único tempo realmente concreto e palpável. Por outro lado, a sensação de preservação de tudo o que nos atravessa e vai embora — na vida e no mundo — deixando ou não suas marcas. E até a Lua tem suas cicatrizes temporais, os solitários mares lunares. 

O instrumento mais presente nessas faixas é o violoncelo, que, combinado ao quarteto de cordas, evoca a sensação da introspecção e de uma melancolia que se parece muito com a angústia estranha da nostalgia. Oceanus Procellarum é uma faixa que apresenta e condensa a energia de todas elas e — na minha humilde opinião — é a mais linda do conjunto. 

Sobre as músicas com letra e melodia, ressalto aqui uma das primeiras escritas por Condon para o disco: Caspian Tiger. Essa faixa inclusive tem a mesma base instrumental de Oceanus Procellarum, mas desta vez letrada. Segundo Zach, fazia sentido que algumas músicas aparecessem, depois sumissem na Lua por um tempo e retornassem. O clipe é a performance do grupo circense e coloquei logo abaixo. O compositor conta que escreveu a letra pensando nos “animais enjaulados ou lutando nos coliseus”, além dos extintos, como o tigre-do-cáspio. A letra traz a ideia da dualidade da vida e da morte e da vulnerabilidade transparente em uma luta, seja ela interna ou não. Essa faixa me pegou muito pela combinação do coral com um instrumental extremamente marcante e sensível, que parece dialogar direto com a alma. Aliás, essa é uma proeza do Beirut em toda a sua trajetória. 

O que mais me tocou quando ouvi o disco foi descobrir as diversas camadas em volta desse trabalho, o que me fascinou muito, pois sou apaixonada pelo backstory das coisas, o sentido por trás delas, e Zach encontrou companhias de peso para somar com a densidade que é o cérebro dele.Study of Losses é um registro delicado de tudo o que um dia foi e se transformou ou se perdeu. E certamente a originalidade de Condon e de seu ukulele costurando o som de tantos instrumentos pode ser reconhecida por qualquer um que já se deixou atravessar por sua música. Beirut é ímpar.

9.7

A Study of Losses – Beirut

Gravadora: Pompeii

Study of Losses é um registro delicado de tudo o que um dia foi e se transformou ou se perdeu. E certamente a originalidade de Condon e de seu ukulele costurando o som de tantos instrumentos pode ser reconhecida por qualquer um que já se deixou atravessar por sua música.

Tati Barreto

Tati Barreto

Nascida e crescida em São Paulo e pertencente à área de humanas desde que se entende por gente. Estudante de Letras, atriz quando possível, escritora de fanfics e uma grande entusiasta de música, artes, comédias românticas, livros de suspense e animes, entre outras paixões. “A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia.” (Ludwig van Beethoven)

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