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Borduna: desde 2016 na urgência de não silenciar

Tem banda que não pede licença pra entrar. Ela chega. Ruidosa, direta, um soco de sinceridade no peito. A Borduna é dessas. Vem de Caxias do Sul, mas poderia muito bem ter nascido em qualquer beco onde o concreto pulsa e o silêncio incomoda. Desde 2016, o quarteto experimenta o hardcore com uma fome rara, aquela que não quer apenas gritar, mas provocar, quebrar estruturas, tensionar formas.

Chamar de post-hardcore é tentar colocar um rótulo em algo que escapa fácil dos dedos. Sim, tem a base pesada, tem o grito, tem a urgência. Mas também tem Fugazi, textura, tem Silverstein, tem pausa, tem letra que pensa (coisa cada vez mais rara) e tem Dance Gavin Dance. Não é som de vitrine. É som de porão. E isso é um elogio.

A discografia até aqui é quase uma linha do tempo emocional: o EP homônimo “Borduna” (2019) já anunciava o que viria, mas foi com “514/s” (2020) que a coisa começou a pulsar mais forte. O compacto “Postais” (2021) trouxe outra camada: mais madura, mais melódica, mas ainda suja no melhor dos sentidos. Em 2022, lançaram o single “Constantinopla” pela coletânea do selo Alforge Records, faixa que gruda na memória e no estômago. E agora, em 2025, veio “Arranjos”, o primeiro disco cheio. E que disco!

Cleber Mignoni (baixo e vocais), Éverton Severo (guitarra e vocais), Bruno Vasconcelos (bateria) e Rudinei Picinini (voz) formam uma banda que entende a força do coletivo, não só na formação, mas na cena, no processo, na estrada. Já tocaram em festivais e inferninhos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. São banda de verdade: van, camarim improvisado, retorno estourado. E ainda assim (ou por isso mesmo), seguem.

Num tempo em que tanta coisa é pasteurizada, filtrada, vendável, ouvir Borduna é como entrar em contato com algo cru, necessário. Um som que não quer agradar, mas dizer. E, principalmente, permanecer. Porque quem resiste, insiste. E quem insiste, transforma.

“Arranjos”: a flor que resiste

Sete anos depois do primeiro EP, a Borduna entrega seu disco mais coeso e simbólico até aqui. “Arranjos” não é só uma coleção de faixas, mas um trabalho que respira como um organismo vivo, feito de travessias, política e poesia.

Nascido de conversas em meio ao caos político de 2018, o álbum carrega cicatrizes e flores. A faixa “Travessia” se tornou o eixo em torno do qual tudo gira, como a flor central de um arranjo que une caos e beleza.

Sonoramente, o disco expande o hardcore para além do grito. Tem samples de Pepe Mujica, sim, ele mesmo, o ex-presidente uruguaio há pouco falecido, vozes da poesia de rua de Caxias do Sul como Valquíria MC e PI, e uma urgência que pulsa em cada verso. É denso, mas nunca hermético. É politizado, mas também íntimo.

Em “Arranjos”, a Borduna mostra que resistência também pode ser gesto delicado. A começar pela bela capa do álbum. E que a flor, mesmo frágil, é sinal de força. O disco é um lembrete de que atravessar já é, por si só, um ato de criação.

Ficha técnica

Letras: Rudinei Picinini, Valquíria MC e PI

Música: Borduna

Produção: Éverton Severo e Borduna

Capa: ilustração de Rooosa e arte de Cleber Mignoni Zeferino

Crédito fotos: @alforgerecords

Escute aqui: Borduna | Spotify

Rodrigo Cauduro

Rodrigo Cauduro

Redator publicitário das antigas e escritor de novos tempos. Gaúcho de Porto Alegre, mas catarinense por escolha desde 2000. Fã da lendária Rádio Ipanema FM e do xis da clássica Lancheria do Parque. Por aqui rola vinil, CDs, quadrinhos, livros, música, shows e tudo mais que envolve cultura pop.

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